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A maioria dos seres humanos muda completamente de atitude quando aprende que ser canhoto, por exemplo, é sim uma questão biológica em vez de preferência ou escolha. O fato de os canhotos, hoje, não passarem mais por tortura na escola (com professoras tentando obrigá-los a usar a mão em que têm menos “destreza”) pode ser em parte atribuído a campanhas de conscientização de que diferenças devem ser respeitadas, não eliminadas a ferro e fogo, e as diferenças mais marcantes são aquelas de natureza, não as de cultura (mais carregadas da marca das escolhas).
O fato da palavra “destreza” significar o que significa, e ter a etimologia que tem, já é evidência desse preconceito tolo no passado.
A mudança de mentalidade de “escolha/opção” para “natureza” foi crucial para emancipar a “normalidade” dos canhotos. Tanto quanto está sendo para emancipar os homossexuais.
Você pode até ter o fundamento moral de que todas, ou ao menos a maioria das escolhas, merecem respeito tanto quanto condições naturais de indivíduos.
Mas isso está muito longe da atitude da maioria dos seres humanos, e se o exemplo dos canhotos não convence, convido a pensar no exemplo do autismo, em que até pouco tempo atrás era atribuído às escolhas educacionais das “mães geladeiras”.
Demonstrar a “naturalidade” do autismo foi e ainda é primordial para mudar a atitude da sociedade para com os autistas e as mães deles, incluindo a atitude da comunidade médica.
Das pesquisas neurobiológicas que existem sobre a homossexualidade, pode-se concluir que, quaisquer que sejam suas causas, escolha é a menos corroborada de todas.
A homossexualidade pode resultar de condições iniciais de desenvolvimento ontogenético (hipótese de ambiente hormonal do útero - que tem caído em desuso). Pode resultar de fatores ambientais MOLDANDO as vias de desenvolvimento que o organismo constrói usando a planta dos genes. Mas o papel dos genes na homossexualidade, tanto quanto na cor da pele, não pode mais ser negado nem ignorado. Até mesmo por razões evolutivas, pois não se espera que a seleção natural tenha favorecido sistemas neurológicos de detecção de parceiros sexuais com baixa participação dos recursos genéticos em seu desenvolvimento. Ou seja, não se espera que na evolução uma coisa tão importante para a sobrevivência e a reprodução quanto o comportamento sexual seja sujeito à maleabilidade cultural absoluta.
Quem confunde isso com determinismo genético precisa aprender a diferença entre genética mendeliana e genética molecular, entre característica monogênica e característica multifatorial (complexa). E também que identidade de gênero é uma coisa bem diferente de orientação sexual.
Por maior que seja o papel do ambiente na homossexualidade, não há fundamento algum para afirmar que é uma escolha, assim como não há fundamento para afirmar que o autismo resulta da preferência da “mãe-geladeira” por um certo tipo de educação.
Pedofilia também tem a “naturalidade” da homossexualidade, do canhotismo e do autismo? Pode ser, mas não é apenas essa naturalidade que torna homossexualidade, canhotismo e autismo “aceitáveis” ou ao menos “indignos de condenação”. Uma análise ética mais elaborada é feita da natureza desses comportamentos, incluindo os efeitos que têm em outras pessoas, informada pelo grau com que esses comportamentos são influenciados por recursos que escapam ao alcance do arbítrio de quem os manifesta.
Muita coisa na moralidade deve ser pensada em torno dos efeitos para com as partes envolvidas na questão moral a ser julgada, principalmente se as partes são seres humanos plenamente capazes e autônomos.
Pedofilia é um ato moralmente condenável porque uma das partes está em desvantagem - ontogenética, psicológica, autoritativa e até legal.
Se crianças sofrem por serem molestadas por pedófilos, elas são afetadas independentemente da cultura em que estão, porque são tolhidas em seu desenvolvimento biopsicossocial. É por isso que a pedofilia é transtorno do pedófilo, não da cultura.
Isso não acontece na homossexualidade. As partes envolvidas são adultos plenamente capazes em suas faculdades mentais e de arbítrio. Por isso, se o gay sofre por ser gay, quem é doente é a cultura em que ele vive.
Se a pedofilia for tão biologicamente fundamentada quanto a homossexualidade, isso significa que o pedófilo também não escolhe ser pedófilo (o que com toda a probabilidade é o caso), mas isso não é uma premissa para justificar que crianças sejam molestadas. A natureza de alguém não deve servir para ferir os direitos e a dignidade alheia. Então o pedófilo é condenável na medida em que cede a seus impulsos e abusa de crianças, e não por ser o que é, pois ele pode ser pedófilo apenas em pensamento e jamais praticar.
Crianças não são exatamente seres assexuados, muitas brincando se descobrem sexualmente. Mas crianças estão longe de serem organismos maduros para o sexo, elas devem ser protegidas de qualquer tentativa por parte de adultos neste sentido. Infelizmente, em algumas culturas, como algumas islâmicas, meninas de 9 a 13 anos servem de esposas para homens adultos. Muitas morrem de hemorragia interna após a noite de núpcias. No Afeganistão existe uma prática vergonhosa de prostituição de meninos, que são vendidos como escravos sexuais e obrigados a dançar com vestimentas femininas. E no Brasil não é baixo o número de famílias em que o molestador da criança muitas vezes é o próprio pai ou um parente próximo.
É absurdo comparar homossexualidade à pedofilia. Duas mulheres adultas ou dois homens adultos se desejando mutuamente estão realizando o direito dos dois à felicidade. Se a política está cogitando colocar o direito à felicidade na Constituição, é bom levar em conta que para essa parte da população brasileira, é só assim que a felicidade pode se realizar.
Quanto ao incesto, existem evidências de que sua condenação é quase universal nas culturas humanas, exceto em conjunturas como a manutenção de linhagens reais como a egípcia. A amplamente corroborada teoria de Westermarck dita que crianças criadas juntas até uma certa idade não se sentem compelidas na vida adulta a terem relações sexuais. Funciona até para crianças não aparentadas que cresceram juntas muito cedo em escolas. Isso é uma evidência de que existe um aparato mental de detecção de parentesco entre os seres humanos, que funciona inconscientemente. Se está em nossos cérebros, evoluiu. A genética explica muito bem por que razões o cruzamentos consanguíneos são indesejáveis: leva à dose dupla de alelos deletérios na prole, por isso o conhecimento popular já dita que filhos de primos em primeiro grau ou de pais irmãos têm alta chance de nascerem com deformidades.
Mas este é o aspecto reprodutivo da questão do incesto, e o aspecto evolutivo para as razões pelas quais ele nos provoca repulsa. Dois irmãos que jamais se conheceram na infância podem se encontrar na vida adulta, não saber que são irmãos e começar um relacionamento marital. Acontece, e é uma questão de baixas probabilidades que vêm à tona. O que há para condenar nisso? Ainda há a questão reprodutiva, mas e se forem estéreis?
Se só você conhecesse um casal de irmãos, e só você soubesse que são irmãos, e que são estéreis, você deveria condenar a relação deles contando o que sabe, ou deveria ficar em silêncio e não interferir?
É muito difícil decidir esse tipo de coisa, moral não é matemática. Nossa sorte é que é raro de acontecer. Por isso, para todo caso raro, devemos estar preparados para debater e ouvir o que as partes interessadas têm a dizer.
Alguns pedófilos vão querer defender um suposto direito de se relacionarem maritalmente com crianças, outros pedófilos dirão que abominam marcar e ferir psicologicamente uma criança indefesa e pedirão drogas para cortar a libido.
Casais incestuosos poderão armar fraudes em documentações para se casarem e até podem querer ter filhos. O Estado deve intervir para que se separem, ou para que não se reproduzam?
Respostas a esses dilemas devem ser debatidas. Abrir livros supersticiosos antigos e ler palavras de ordem neles escritas nada ajuda na resolução desses problemas.
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